Eutanásia: Um Tema Fraturante da Sociedade

Por: Nídia Matias 

          A palavra “eutanásia” tem origem no grego, significando “boa morte” e, segundo o portal eletrónico dos dicionários da Porto Editora, consiste “na intervenção feita por alguém em favor da vontade expressa de um indivíduo afetado por doença dolorosa sem perspetiva de cura, com vista à antecipação da sua morte, da forma menos dolorosa possível”.

       Em Portugal, a despenalização da eutanásia parece ter vindo a tornar-se uma questão fraturante. A polémica relativamente a este tema tem aumentado, já que parecem ser postos em causa valores que até há pouco tempo eram considerados irrefutáveis. Se por um lado se faz sentir “a pressão” da legalização da eutanásia em alguns países europeus como a Holanda ou a Bélgica bem como as mudanças de mentalidade e liberalização de pensamento, por outro, este tema ainda não é consensual no nosso país, sendo alvo de debate. De facto, a discussão deste assunto parece até ter vindo a ser amplificada, em grande parte associada à apresentação dos projetos de diferentes partidos, no Parlamento, relativos à morte medicamente assistida.

       Dos principais movimentos em Portugal relativos à eutanásia, destacam-se os seguintes: “Direito a Morrer com Dignidade” e “STOP Eutanásia”. O primeiro manifesto expressa que “o direito à vida faz parte do património ético da civilização humana e, como tal, está consagrado nas leis da República Portuguesa”, pelo que “o direito a morrer em paz e de acordo com os critérios de dignidade que cada um construiu ao longo da sua vida, também tem de o ser”. Para além disto, indica ainda que a eutanásia tem de ser “efetuada por médico ou sob a sua orientação e supervisão”. Aqui temos um dos principais conflitos com o “STOP Eutanásia”, dado que, o médico, “ao oferecer a morte” está a ir contra o seu código deontológico. Este movimento entende ainda que “garantir a dignidade de uma pessoa, oferecendo-lhe a morte, é uma derrota da humanidade”. Assim, defende a prestação dos cuidados paliativos, como alternativa à eutanásia, considerando que “os cuidados paliativos são tratamentos, previnem e aliviam os sofrimentos enquanto que, a eutanásia, visa acelerar a morte intencionalmente e nunca será um tratamento”.

       É evidente que a emissão de pareceres e opiniões sobre esta matéria, com o devido fundamento, é altamente relevante. Apesar da aprovação da eutanásia ter de passar pelo crivo da Assembleia da República e por fim ser ratificada pelo Presidente da República, é importante que cada um de nós reflita sobre este assunto, construindo a sua opinião como indivíduo integrante de uma sociedade democrática. No entanto, esse juízo deverá ser efetuado com clareza, de forma consciente e assente em argumentos válidos.

       No meu ponto de vista, a eutanásia deveria ser despenalizada. Sou a favor da legalização da morte assistida, perante parâmetros restritos que permitam evitar a banalização desta prática. Sabemos que a autonomia do doente deve ser respeitada bem como a sua vontade. Se os médicos já o fazem, ao aceitar a recusa de certos doentes relativamente à administração de sangue e hemoderivados por que motivo não aceitam o pedido da eutanásia? Note-se que a recusa deste tratamento que refiro acima poderá culminar na morte do doente, pela inexistência de terapêuticas alternativas. Estamos perante uma diferença de atitudes relativamente a ações que acabam por levar a um mesmo resultado. Por outro lado, se é função do médico acompanhar o doente, a recusa do pedido de morte assistida não se traduz no abandono do doente? Claro que temos à disposição cuidados paliativos e que estes serão fornecidos caso seja essa a vontade do doente. Mas a realidade é que este tipo de cuidados não resolve por completo o sofrimento nem a degradação física e psicológica dos enfermos.

       É verdade que temos direito à vida. Mas teremos obrigação de a viver de uma forma que consideramos não ser digna? Relembro que vivemos numa sociedade democrática. Por que não se pode ter o direito a morrer?

       Em suma, creio que, à semelhança de outros países, deveríamos acompanhar a evolução da mentalidade e da consciência que caracteriza o século XXI e progredir no sentido de criar condições que permitam a despenalização e regulamentação da eutanásia. Contudo, é importante realçar que a morte assistida não tem como propósito tornar-se obrigatória. Tem sim o intuito de dar o direito de opção ao doente que pretende colocar um fim ao seu sofrimento, de forma digna e legítima.